O Labrego de Aldeia do Bispo

Escaramuças por altura da Guerra da Independência de Portugal

Durante vários meses, estiveram inactivas as armas de um e outro lado da fronteira, até que ocorreu um incidente na povoação espanhola de Navas Frias e foi o primeiro disparo para pôr em alvoroço várias aldeias e vilas da região.

Navas Frias, como o nome indica, é um local aprazível para férias de Verão e, por isso mesmo, visitada por gente importante da região de Salamanca. Foi o que aconteceu em Julho de 1641 com D. Tomás de Oria, filho do duque de Turs, na altura reitor da Universidade de Salamanca. Tinha por costume madrugar e dedicar-se à caça nas primeiras horas da manhã. Num desses dias, em que caçava junto à fronteira com Aldeia do Bispo, surpreendeu um confiado labrego (natural de Aldeia do Bispo) que, alheio a discórdias, regava as plantas da sua horta junto à fronteira. Sem qualquer motivo, o Sr. de Oria mandou os seus criados prendê-lo e, sem atender às súplicas do infeliz campónio, descalço e meio nu, levou-o à força para Navas Frias, onde o encarcerou e submeteu a rigoroso e selvagem interrogatório.

Esta notícia chegou ao governador de Alfaiates, o Capitão Brás Garcia de Mascarenhas que, de imediato, pediu ao General Abrantes, que residia no Sabugal, para resgatar o labrego. Foi-lhe concedida autorização, desde que não causasse danos nas pessoas e coisas de Navas Frias.

No dia 23 de Agosto de 1641, saiu o Capitão Brás de Alfaiates com 300 homens escolhidos, passando por Aldeia Velha e Aldeia do Bispo, entrando em Navas Frias. Aqui mandou um pelotão de 30 mosqueteiros, comandados pelo alferes Simão Nunes Tigre, cercar a casa onde residia o autor da afronta, enquanto que ele se encaminhava para a aldeia com os restantes homens. O alarido alertou os residentes e também D. Tomás de Oria que, suspeitando do que se tratava e apesar de estar meio nu, saltou de imediato por uma janela e fugiu sem olhar para trás. Teve ainda de fintar alguns tiros e, mesmo assim, foi atingido ainda na face por um deles. Conseguiu atingir o bosque e, depois de algum descanso, fugiu até ao convento de Franciscanos de S. Martin de Trevejo, a cujos religiosos pediu auxílio e protecção.

Junto à casa, e como os criados não se rendiam e continuavam a lutar, mandou o Capitão Brás incendiar a casa, acabando por fim por aparecer a bandeira branca. Quando os criados disseram que D. Tomás tinha fugido, o alferes Tigre, fazendo honra do apelido, entrou pela casa em chamas e, temendo ser enganado, perguntou a todos qual era o D. Tomás. Pensando que um dos presos era quem pensava, levou-o à presença de D. Brás, mas o prisioneiro acabou por negar ser o procurado, e que não dizia mais nada, apesar da espada encostada à garganta, em ameaça de morte. Efectivamente, tratava-se de D. César Leucabechia, parente próximo do duque de Turs e que tinha acompanhado o primo nas férias. Prenderam ainda mais alguns homens que parecessem ser o filho do duque. Como o capitão Mascarenhas tinha ordens para não saquear o povo, ele assim fez, mas não resistiu a uma pequena represália e mandou pisar e danificar as pratas e demais objectos de valor. Esta acção foi duramente criticada. Em contradição com este gesto, o capitão mandou deitar pregão para que todos os vizinhos que se sentissem lesados ou roubados por algum soldado se apresentassem para serem indemnizados. Claro que ninguém se apresentou, pois o que queriam era que os intrusos abandonassem a povoação e os deixassem em paz.

Estes acontecimentos deram muito que falar, e o mais estranho era a força de vontade com que Mascarenhas tinha resistido a incendiar e roubar a aldeia, levando a crer que, na realidade, este assalto tinha mesmo o objectivo de castigar D. Tomás de Oria com a proporção que ele tinha maltratado o hortelão português. De imediato, foram libertados vários portugueses (principalmente contrabandistas) e também os criados de D. Tomás, assim como alguns vizinhos. Apenas seguiu refém o altivo D. César que, com 10.000 cruzados, tentou subornar os soldados, mas sem o conseguir. Foi levado para Lisboa e acabou por ser solto mais tarde, devido à sua posição social e por não representar qualquer perigo para o país.

Em consequência deste episódio, os vizinhos dos povos dos arredores da serra da Jálama (Xalma), numa atitude de vingança, dirigiram-se a Aldeia da Ponte, onde se apoderaram de mais de 500 cabeças de gado. Saiu-lhes ao encontro Simão Oliveira da Gama, da guarnição de Aldeia da Ponte, mas o gado já estava a bom recato quando veio em seu auxílio o Capitão Brás de Mascarenhas. Ressentido por este fracasso, e como não podia fazer mais nada, dirigiu-se ao pequeno povo da Genestosa, com intenção de o destruir, mas teve de desistir do intuito porque uma grande tempestade se abateu sobre as suas hostes, obrigando-o a regressar a Alfaiates.

Este catastrófico resultado desgostou muito o General Abrantes, que resolveu vingar-se. Ordenou ao Capitão Brás de Mascarenhas que escolhesse um bom grupo de homens e que atacasse algumas aldeias fronteiriças de Castela. Quando, três dias depois, se preparava para executar as ordens recebidas, viu-se surpreendido pela chegada de um maioral com as cerca de 500 cabeças de gado roubadas dias antes. Vinha devolver o gado, conforme tinha sido disposto pelo governador de armas de Fuenteguinaldo, que dava sequência às ordens do duque de Alba, capitão geral daquela zona, com residência em Ciudad Rodrigo. Ordenou ainda que, se faltasse alguma cabeça de gado, fosse pago o seu valor. Acontece que faltavam três e de imediato foram pagas. Perante isto, o General Abrantes ordenou a todas as guarnições da região que se abstivessem de entrar em território inimigo e de causar danos.

Deste modo, terminaram as escaramuças que tiveram origem no labrego. A partir deste momento, o General Abrantes enveredou por outro caminho, que foi o da espionagem.

Extracto e tradução a partir do livro:

"Escaramuças en la Frontera Cacereña con Ocasion de las Guerras por la Independência de Portugal"

Gervásio Velo y Nieto, 1952, Madrid

(Livro cedido para consulta pelo José Luís Vicente e Maria de Fátima Ricárdio Nabais Vicente)

 

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